A supressão do direito às horas in itinere pelos empregados
O tempo à disposição do empregador é considerado como tempo de serviço efetivo, conforme dispõe o caput do artigo 4º da CLT. Assim, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da edição das súmulas 90 e 320, passou a entender como tempo a disposição ao empregador aquele gasto no transporte fornecido pelo próprio empregador para o local do trabalho, quando este não é atendido pelo transporte público e é de difícil acesso.
As súmulas dispõem que:
Súmula nº 90 do TST – HORAS “IN ITINERE”. TEMPO DE SERVIÇO (incorporadas as Súmulas nºs 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais nºs 50 e 236 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I – O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. (ex-Súmula nº 90 – RA 80/1978, DJ 10.11.1978)
II – A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas “in itinere”. (ex-OJ nº 50 da SBDI-1 – inserida em 01.02.1995)
III – A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas “in itinere”. (ex-Súmula nº 324 – Res. 16/1993, DJ 21.12.1993)
IV – Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas “in itinere” remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. (ex-Súmula nº 325 – Res. 17/1993, DJ 21.12.1993)
V – Considerando que as horas “in itinere” são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ nº 236 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)
Súmula nº 320 do TST – HORAS “IN ITINERE”. OBRIGATORIEDADE DE CÔMPUTO NA JORNADA DE TRABALHO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para local de difícil acesso ou não servido por transporte regular, não afasta o direito à percepção das horas “in itinere”.
Assim, o surgimento de pagamento por horas in itinere teve origem jurisprudencial, e posteriormente foi incorporado à legislação trabalhista, tendo previsão na CLT em seu artigo 58, parágrafo 2º que previa:
Art. 58 § 2o O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.243, de 19/06/2001)
O pagamento de horas in itinere era devido, portanto quando o empregador fornecia o transporte pela ausência de transporte público regular e pelo difícil acesso ao local de trabalho, não sendo considerado tempo a disposição do empregador quando o empregado se deslocava ao local de trabalho por meio de transporte público ou particular.
Horas in itinere (antes da reforma):
( Local de difícil acesso OU ausência de transporte púbico ) +
transporte fornecido pelo empregador.
Entretanto, com a promulgação da Lei 13.467/2017 houve a supressão do direito às horas in itinere com a alteração da redação do parágrafo 2º do artigo 58 da CLT, o qual passou a dispor:
Art. 58 § 2o O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 13/07/2017)
Fato é que antes da reforma trabalhista o entendimento sobre o pagamento de horas in itinere não era unânime, havendo divergência doutrinária com posicionamentos favoráveis e contrários. Estes defendiam que o tempo de deslocamento ao local de trabalho não era tempo à disposição do empregador, e que caso houvesse o fornecimento de transporte pelo empregador, poderia ser considerado como salário-utilidade, mas que o tempo gasto no transporte não deveria ser computado na jornada de trabalho.
A crítica ao fornecimento de horas in itinere também se baseava na desigualdade gerada, já que aqueles trabalhadores que utilizam o sistema de transporte público, e, por diversas vezes enfrentam condições precárias levando horas para chegar ao local de trabalho, não teriam direito à computação do tempo gasto no transporte em sua jornada de trabalho.
O legislador ao alterar a redação do parágrafo não precisaria se justificar como o fez ao dizer que “não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”. A inclusão desta justificativa no dispositivo visa impedir interpretações divergentes pela jurisprudência.
Essa alteração legislativa foi benéfica para o empregador, sendo uma perda de direitos para o empregado. O problema deste dispositivo é que suprimiu um direito, sem contudo deixar claro a regra de transição para aqueles que já recebiam horas in itinere, o que poderá gerar controvérsia jurisprudencial. Afinal, antes mesmo da vigência da lei já há os que defendem que deve ser aplicada apenas aos novos contratos celebrados após o início da vigência legislativa, ao passo que outros defendem que deve ser aplicada a todos os empregados, sem distinção.
Gabriel Cintra
Mylena Devezas Souza